Suspensa a lei que proíbe ensino sobre gênero e sexualidade em escola municipal do Paraná

O ministro Luís Roberto Barroso, do STF, deferiu liminar suspendendo trecho de lei municipal que proíbe o ensino sobre gênero e orientação sexual no município de Paranaguá/PR. A ação é da PGR. A lei 3.468/15 dispõe sobre a aprovação do Plano Municipal de Educação, vedando, no dispositivo atacado, política de ensino com informações sobre gênero ou orientação sexual. O art. 3 da norma municipal prevê:”Artigo 3º. São diretrizes do PME:

X – promoção dos princípios do respeito aos direitos humanos, à diversidade e à sustentabilidade socioambiental, sendo vedada entretanto a adoção de políticas de ensino que tendam a aplicar a ideologia de gênero, o termo “gênero” ou “orientação sexual.”

Fato da vidaEm liminar com o peso de uma decisão de mérito, o relator faz esclarecimentos sobre os conceitos de sexo, gênero e orientação sexual. E destaca:

Vedar a adoção de políticas de ensino que tratem de gênero, de orientação sexual ou que utilizem tais expressões significa impedir que as escolas abordem essa temática, que esclareçam tais diferenças e que orientem seus alunos a respeito do assunto, ainda que a diversidade de identidades de gênero e de orientação sexual seja um fato da vida, um dado presente na sociedade que integram e com o qual terão, portanto, de lidar.”

Ao abordar a competência da União para dispor sobre educação, o ministro Barroso afirma que a lei municipal suprime campo do saber das salas de aula e do horizonte informacional de crianças e jovens, “interferindo sobre as diretrizes que, segundo a própria Constituição, devem orientar as ações em matéria de educação”. E, assim, o município dispôs sobre matéria objeto da competência privativa da União.

Direito à educação

Asseverando que a lei caminha na contramão de valores como o pluralismo ideológico, a capacitação para a vida em sociedade e a promoção da liberdade, S. Exa. pontua que não tratar de gênero e de orientação sexual não os suprime da experiência humana, ao contrário: contribui para a desinformação a respeito de tais temas.

Em primeiro lugar, não se deve recusar aos alunos acesso a temas com os quais inevitavelmente travarão contato na vida em sociedade. A educação tem o propósito de prepará-los para ela. Além disso, há uma evidente relação de causa e efeito entre a exposição dos alunos aos mais diversos conteúdos e a aptidão da educação para promover o seu pleno desenvolvimento. Quanto maior é o contato do aluno com visões de mundo diferentes, mais amplo tende a ser o universo de ideias a partir do qual pode desenvolver uma visão crítica, e mais confortável tende a ser o trânsito em ambientes diferentes dos seus.”

Violação à dignidade humana

O ministro lembrou exemplos estrangeiros relacionados ao tema: o caso Brown v. Board of Education, em que a Suprema Corte norte-americana reconheceu a inconstitucionalidade da imposição de escolas separadas para brancos e negros, ao fundamento de que as escolas são um ambiente essencial para a formação da cidadania, para promoção de valores culturais e da igualdade, e que a mera separação contribuía para a perpetuação da discriminação racial; e decisão do Tribunal Constitucional Alemão sobre a função da educação nas escolas públicas, reconhecendo a constitucionalidade da introdução da educação sexual no currículo do ensino fundamental.

Razões semelhantes àquelas invocadas nos casos acima impedem a vedação à educação sobre gênero e orientação sexual no caso das escolas brasileiras. É importante observar, além disso, que os grupos que não se enquadram nas fronteiras tradicionais e culturalmente construídas de identidade de gênero ou de orientação sexual constituem minorias marginalizadas e estigmatizadas na sociedade.”

Nas palavras do ministro Luís Roberto Barroso, privar um indivíduo de viver a sua identidade de gênero ou de estabelecer relações afetivas e sexuais conforme seu desejo significaria privá-lo de uma dimensão fundamental da sua existência; implicaria recusar-lhe um sentido essencial da autonomia, negar-lhe igual respeito e consideração com base em um critério injustificado. E, nesse sentido, “a educação é o principal instrumento de superação da incompreensão, do preconceito e da intolerância que acompanham tais grupos ao longo de suas vidas”.

Proibir que o assunto seja tratado no âmbito da educação significa valer-se do aparato estatal para impedir a superação da exclusão social e, portanto, para perpetuar a discriminação. Assim, também por este fundamento – violação à igualdade e à dignidade humana – está demonstrada a plausibilidade do direito postulado.”

Proteção integral

O ministro ainda cita o art. 227 da Constituição, o qual prevê a proteção integral da criança, do adolescente e dos jovens.

É na escola que se pode aprender que todos os seres humanos são dignos de igual respeito e consideração. O não enfrentamento do estigma e do preconceito nas escolas, principal espaço de aquisição de conhecimento e de socialização das crianças, contribui para a perpetuação de tais condutas e para a sistemática violação da autoestima e da dignidade de crianças e jovens. Não tratar de gênero e de orientação sexual na escola viola, portanto, o princípio da proteção integral assegurado pela Constituição.”

O ministro determinou a inclusão do processo em pauta para apreciação da decisão liminar pelo pleno da Corte.

Fonte original do artigo: Migalhas, publicado em 20 de junho de 2017.

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